Contos de Terror

A maldição da boneca Lily

O carro estacionou em frente a uma casa de fachada amarela envelhecida e portões baixos. Não era muito grande, mas para a pequena Verinha, que acabara de sair do carro, parecia uma verdadeira mansão.

Era seu novo lar e ela estava curiosa para saber o que encontraria do lado de dentro da grande porta de madeira que dava acesso à casa.

Assim que entrou, avistou uma escada com um velho corrimão e logo correu em sua direção. Estava louca para conhecer seu quarto. Quando já estava quase no andar de cima, ela ouviu o pai gritar:

­­­­­­­            — Com cuidado, Vera! Este corrimão não está confiável!

            Caminhou pelo longo corredor observando cada detalhe:  A penumbra, o papel de parede que começava a descolar,  alguns tacos soltos no chão.

            — Mas ainda tem muita coisa para consertar, querido. – Reclamava sua mãe, enquanto subia também as escadas. Vera se apressou. Queria ver todos os quartos antes da mãe para poder ter a chance de escolher qual seria o seu cantinho. Foi quando aconteceu.

            Vera avistou a pequena boneca jogada, de bruços, no canto do quarto vazio, próxima à janela. Ela se aproximou devagar e colocou a boneca no colo. Ela tinha apenas um olho. E parecia que sua boca havia sido apagada, não por causa do desgaste do tempo, mas porque alguém havia mesmo  tentado apagar.

            — O que você achou aí, filhinha?

            Vera levou um tremendo susto, quando sua mãe apareceu atrás dela.

            — Olha só, mamãe. Parece que alguém esqueceu ela aqui.

            — Deixa eu ver. Nossa! Mas ela já está muito acabadinha. Olha as roupinhas, parecem trapos. Vai ver foi por isso que a antiga dona resolveu deixar aí.

            — Coitadinha. Será que a gente poderia tentar consertar?

            — Do jeito que ela está, acho que não tem mais conserto.

            — Quero ficar com ela mesmo assim.

            A mãe quis fazer a vontade da filha. Seria uma forma dela se sentir confortável na casa nova. A mudança de cidade e de escola havia deixado a filha insegura. Além do mais, achava que Verinha logo enjoaria daquela boneca tão feiosa.

            Mas não foi isso que aconteceu. A cada dia que passava, Verinha ficava cada vez mais grudada com a bonequinha. No início pedia que a mãe tentasse consertá-la, mas depois de um tempo, ela mesma fez roupinhas novas para ela. O olho e a boca apagados nem a incomodavam mais. Verinha deu à boneca o nome de Lily. E elas haviam se tornado melhores amigas.

            Nos dias que se sucederam, porém, coisas estranhas começaram a acontecer no quarto de Vera. De madrugada, ela parecia ouvir passos e pequenos ruídos. No dia seguinte, achava seus brinquedos fora de lugar, livros espalhados pelo chão. No café da manhã ela contava para os pais o ocorrido, mas eles não levavam à sério.

            — É sua imaginação, filha. – Dizia o pai.

            — Você está inventando desculpa para não arrumar o quarto, mocinha? – Dizia a mãe.

            Verinha já não conseguia ter uma noite de sono tranquila,  acordando de repente, por causa de algum ruído, da janela aberta, dos insistentes passos. Numa manhã, ela acordou e viu seu estojo com lápis de cor todo esparramado pelo chão. A esta altura, ela já havia até se acostumado com essa bagunça matinal. Arrumava tudo antes que a mãe visse e corria para colocar o uniforme da escola e descer para o café da manhã.  Mas naquele dia, ao pegar a boneca Lily e para colocá-la em cima da cama, Vera gelou e um arrepio enorme percorreu todo o seu corpo. Havia um novo olho desenhado na boneca Lily. Agora ela tinha certeza de que alguém andava pelo seu quarto de madrugada, mexendo em suas coisas, pegando sua boneca preferida.

            A menina nem conseguiu ouvir seu próprio grito. Mas seus pais correram em direção a ela. Ao verem o quarto bagunçado e a boneca com o olho desenhado, se convenceram de que realmente havia algo estranho:

            — Essa menina está tento crises de sonambulismo. – disse o pai.  

            — Só isso pode explicar. Vou marcar um médico agora mesmo. – disse a mãe.

            Na noite seguinte, Verinha dormiu com seus pais. Que maravilha poder dormir no quarto, na companhia das duas pessoas que ela mais amava. Sentiu saudade de quando ela era mais nova e podia fazer isso sempre. Agora eles sempre faziam questão de frisar: “É só até você ir ao médico. Não vá se acostumar!”. Às vezes é muito chato crescer.

            Ao chegar ao seu quarto, novamente os lápis de cor espalhados pelo chão. Institivamente, Verinha olhou para os lados. Respirou fundo e olhou debaixo da cama. Atrás da cortina, dentro do armário. Nada. Até que avistou a  boneca Lily. Estava de bruços, jogada no canto do quarto, perto da janela, exatamente como Vera a havia encontrado no seu primeiro dia naquela casa. A menina sentiu uma descarga de tensão que chegou rapidamente até suas mãos e pés, agora totalmente trêmulos. Ela caminhou devagar até à boneca. Vera já esperava o que estava por vir. E por isso, sentiu ainda mais medo. Por fim, ela apanhou a boneca e a virou. E, exatamente como ela previa, estava lá: a boca desenhada.

            O que veio a seguir foi ainda mais horripilante. Ela não sabia como, mas podia ouvir. Podia ouvir, dentro da sua cabeça, a boneca falar com ela.

            — Olá, Verinha.

            — O que você quer, Lily? Por que está me assustando?

            — Não foi minha intenção, amiguinha. Mas precisava dar um jeito de falar com você.

            — Então fala.

            — Você tem sido uma amiga tão boa, que penso que não me negaria um último favor.

            — Um favor.

           — Depois disso, prometo não te assustar mais de madrugada.

            — Seria ótimo se você pudesse não me assustar mais.

            — Então seja uma boa amiga e troque de lugar comigo.

            — O quê?

            — Você não seria capaz de fazer isso por mim?

Verinha saiu do quarto apavorada. Implorou a sua mãe que pegasse a boneca Lily e a levasse para muito longe. A mãe, ao ver a boca da boneca desenhada, se perguntou como ela não tinha notado sua filha sair de seu quarto para desenhar na boneca de madrugada. Por fim, achou muito bom que sua filha quisesse se desfazer da boneca feiosa.

Quando Vera foi finalmente levada ao médico – precisaram esperar muitos dias para conseguir a consulta com o melhor médico da cidade – ela já não tinha mais queixas. As crises de sonambulismo acabaram e o quarto não aparecia mais bagunçado pela manhã.

                        — Já que estamos aqui, vamos fazer alguns exames.  – Disse o médico.

            Vera foi examinada e respondeu a todas as perguntas sem reclamar.  Só guardou um único segredo. Não porque não pudesse dizer, mas porque não sabia mesmo explicar. Não era uma dor de dente, uma cólica na barriga, nem uma pontada na cabeça. Era um incômodo que aparecia de tempos em tempos e que vinha do fundo de seus ouvidos. Um zunido que sempre acabava numa espécie de sussurro. Uma voz quase inaudível e sibilante. Às vezes era só isso. Outras, ela quase podia ouvir: “Achei que você fosse minha amiga, Verinha. Você é uma menina má.”


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